le parody: Crônicas

Crônicas

Como aborrecer um guarda

    Sentados no terraço do nosso café predileto, Yossele e eu saboreávamos nosso café expresso predileto e observávamos, apaixonadamente as placas de "Proibido estacionar" ao longo da calçada. Nessa hora, ao anoitecer, costumávamos abrir o "Gambit-Expresso", também chamado de "Jogo de adoção de automóvel". Mas, por enquanto, nenhum guarda de trânsito tinha aparecido. Demorou até que se mostrasse o primeiro representante dessa simpática espécie, esbelto, elegante, de passo gingado e bigode aparado.
    Com intensidade febril esperamos que ele parasse diante de um carro esporte, encarnado, estacionado entre duas placas de "Estacionamento proibido", e tirasse do bolso do blusão o talão de multas. Na hora em que ele ia começar a escreve, ou seja, no momento apropriadíssimo, Yossele levantou-se de um pulo e, com dois passos, estava do lado dele.
    -Pare, pare!- fungou. - Eu só entrei um minuto...Só para tomar um cafezinho...
    -Senhor- respondeu a Lei - , explique isso ao juiz de trânsito.
    -Mas eu só entrei um minuto...
    -O senhor está perturbando um ato oficial!
    -Verdade, só para um café rapidinho... Que tal se o senhor desse um jeito, excepcionalmente, senhor inspetor?
    O guarda foi preenchendo o formulário da multa com uma lentidão gozadora, prendeu-o no pára-brisa e olhou penetrante para Yossele:
     - O senhor sabe ler?
     - Certamente.
     - Então leia o que está escrito nessa placa.
     - "estacionamento proibido de 0 até 24 horas"- Murmurou Yossele, num tom  contrito. - Mas por causa de um minutinho... por uma coisinha à-toa...
       -Só mais uma observação desse tipo, senhor, e aplicarei também o artigo 17, por ter estacionado longe da calçada.
      - Está vendo?- perguntou Yossele. - é essa a razão pela qual as pessoas odeiam os senhores.
      - Artigo 17- Respondeu o guardião da ordem, preenchendo novo formulário de multa- E se o senhor continuar a me provocar, terei de prendê-lo.
      - Por quê? 
      - Não lhe devo explicação alguma, senhor. Seus documentos!
      Yossele os entregou.
      - Senhor! Seu seguro social não me interessa. Onde está a sua carteira de motorista?
      - Não tenho.
      - O senhor não tem carteira de motorista? Artigo 23. Tem certificado de propriedade? Recibo de taxa rodoviária? Seguro obrigatório?
      - Não.
      - Não?
      -Não. Mas eu também não tenho carro.
      Silêncio. Um silêncio pesado, paralisante.
      -O senhor... não tem... carro?- O olho da lei piscava, nervoso.
      -Sim, mas... de quem é, então este cabriole vermelho?- continuou o guarda.
      - Como é que vou saber?- replicou Yossele, já um pouco aborrecido- Eu só parei aqui para um cafezinho. É isso que eu estava tentando explicar ao senhor o tempo todo. Mas o senhor não quis escutar...
      O Órgão Oficial ficou pálido. Suas mandíbulas se movimentavam silenciosas, embora rítmicas. Devagar retirou A segunda multa do limpador de pára-brisa e rasgou-a em pedacinhos, com expressão de profundo pesar. Depois desapareceu na escuridão.
      Em suma: uma tardezinha divertida.